Conversão ou coerção?


Uma verdade fundamental da Bíblia é que a natureza do homem pode ser transformada apenas sobrenaturalmente. (Por “natureza”, quero dizer natureza ética, na esfera do certo e errado, não natureza metafísica, na esfera de sua constituição como um homem criado à imagem de Deus.) A Bíblia nega de forma absoluta que a natureza do homem possa ser transformada por meios puramente naturais (João 1.12-13; 1Co 2.14). Os homens são convertidos (transformados eticamente) pela regeneração. Na regeneração, o Espírito Santo implanta no homem a disposição santa perdida na Queda, na qual todos os homens nascem (2Co 5.17). Essa é a única forma pela qual a natureza do homem pode ser transformada. Se o homem há de ser transformado eticamente, ele deve ser convertido.

Quando os homens perdem a esperança na Bíblia, eles devem encontrar outras formas de tentar mudar a natureza do homem. A forma mais frequente é por meio da coersão. O exemplo mais consistente disso está nos estados comunistas modernos. Eles creem que ao expor o homem a certo estímulo externo, a sua natureza interna pode ser alterada. Ao martelar nele, por meio de propaganda, a ideia que a motivação por lucro é má para os indivíduos (embora, aparentemente, não para o Estado), eles esperam criar um Novo Homem que trabalhará para o bem da comunidade e do Estado, e não para si mesmo e sua família. Se os homens se opõem e questionam esse Estatismo, eles devem ser remodelados em campos de concentração infernais ao ser violentamente quebrados física, emocional e psicologicamente, e então remendados novamente para serem bons cidadãos estatais. Essa é uma suposição razoável para qualquer um que tenha abandonado a esperança na obra miraculosa da regeneração. Marque isso: qualquer Estado, igreja, família ou outra autoridade institucional que opte por coerção como um meio para alterar a natureza do homem abandonou a esperança no Deus da Bíblia. Isso aplica-se tanto aos estatais materialistas como também aos legalistas fundamentalistas.

A Bíblia permite a coerção somente em uns poucos e limitados casos. O Estado pode empregar a espada (Rm 13.1-7) para proteger a vida, liberdade e propriedade. (Por implicação, o Estado pode usar a coerção para proteger seus cidadãos de invasão estrangeira.) O indivíduo pode usar coerção para proteger a vida e a propriedade (Ex 22.1-2). Pais piedosos podem empregar punição corporal limitada para regular o comportamento externo dos filhos (Pv 23.13-14). Nada disso tem a intenção de alterar a natureza do homem. Multa e restituição não transformam a natureza de um ladrão, assim como uma palmada não muda a natureza de uma criança. A coerção pode proteger, no máximo, a ordem externa; ela não pode alterar a natureza do homem. Somente o Espírito de Deus pode alterar a natureza de um homem.

Não é sem motivo que o evangelho de Jesus Cristo é chamado o “evangelho da paz” (Rm 10.15; Ef 6.15). Ele cria paz com Deus, paz com o indivíduo, e paz entre o indivíduo e seus semelhantes. O aumento da coerção e da violência na família, escola, mídia e no Estado é uma marca de uma cultura ímpia e réproba. Quando os homens são convertidos, apenas um mínimo de coerção é necessária para manter seus impulsos pecaminosos em cheque. A solução para o pecado e apostasia generalizada não é coerção generalizada, mas sim conversãogeneralizada.

P. Andrew Sandlin
Traduzido por Felipe Sabino de Araújo Neto

3 comentários:

  1. Reflexão sobre Abraão e sua conversão e alguns questionamentos.

    Todos sabemos que Abraão foi justificado pela fé (Rm 4,3) e pelas obras (Tg 2,23), embora a justificação pela fé é a que mais é ressaltada. Como se deu isso?

    Quando ocorreu cada justifição? Ou melhor, existe mais de uma justificação? Ou tipos e graus de justificação?

    Abrão saiu de Ur dos caldeus, quando foi chamado por Deus. Então, teve fé naquele instante. Foi justificado? (Gn 12,1).

    O livro de Hebreus aponta esse fato ocorrido pela fé: "indo para um lugar que havia de receber por herança, e saiu sem saber para onde ia." (Hb 11,8). Sendo assim, é de se crer que Abraão estava justificado pela fé.

    Mais adiante, por crer em Deus, foi justificado pela fé, quando o Senhor disse que o filho que lhe tinha sido prometido sairia da suas "entranhas". Crendo nessa promessa, foi-lhe imputada a justiça (Gn 15,6). É a esse episódio que refere-se São Paulo em Romanos 4,3.

    Depois, Deus colocou Abraão à prova (Gn 22,1) e ele passou nela (v. 10). A esse episódio é que São Tiago está apontando (T 2,23). E o texto (v. 22) diz que "e cumpriu-se a Escritura", quanto à justificação e amizade com Deus. Portanto, é uma justificação diante de Deus.

    É a mesma linguagem usada por São Paulo, apontando para momento diferente. Temos aí, vários momentos da fé e justificação de Abraão:

    1) Quando sai de sua terra natal (Gn 12,1 e Hb 11,8)

    2) Quando creu na promessa do filho (Isaac) (Gn 15,6)

    3) Quando ofereceu Isaac (e ia sacrificá-lo) (Gn 22,1 e Tg 2,23)


    Devemos crer nas Escrituras, em tudo o que ensinam. Então, há múltiplas justificações!

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  2. Gledson,

    Devemos acreditar em tudo o que a Bíblia diz sim, mas precisamos tomar cuidado com a diferença que há no que ela diz e o que entendemos dela. Parece-me que você é católico pelos comentários sobre fé e obras em outro post, além deste aqui acima.

    Você está num blog calvinista, são reformadores, são aqueles que saíram da sua denominação justamente por discordar de suas interpretações. Você já deve ter estudado sobre a reforma, conhece a origem dos protestantes, ou não? Você acha mesmo que vai encontrar algum apoio para o que diz aqui no meio daqueles que protestam?

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  3. Adnré:

    ANTES DE TUDO: comentários sobre o que escrevi?

    Está descontextualizado, errado, disparatado?

    A Bíblia é clara, em si mesma, mas temos tantas limitações que muitas vezes não conseguimos captar sua mensagem (suas mensagens, como essa acima).

    Foi o que entendi diferente do que a Bíblia ensinou nesses textos?

    Até logo.

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"Se amássemos mais a glória de Deus, se nos importássemos mais com o bem eterno das almas dos homens, não nos recusaríamos a nos engajar em uma controvérsia necessária, quando a verdade do evangelho estivesse em jogo. A ordenança apostólica é clara. Devemos “manter a verdade em amor", não sendo nem desleais no nosso amor, nem sem amor na nossa verdade, mas mantendo os dois em equilíbrio (...) A atividade apropriada aos cristãos professos que discordam uns dos outros não é a de ignorar, nem de esconder, nem mesmo minimizar suas diferenças, mas discuti-las." John Stott

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